domingo, 23 de fevereiro de 2014

Vazio

Besta. Sombria e iluminada. Por que te escondes nos emaranhados? Nos olhos sombrios de tua face? Meu coração acelera por ti, ó minha besta! Minha morte lenta se aguenta em teus braços. Minha sonolência te idolatra. Meu parasita. Meu verme que me devora. Minha ansiedade. Monstro dos meus mares profundos. Me tentas em suas dúvidas. Em sua profundidade. Me equivocas em suas ilhas de clandestinidades.  Por que hás de me engolir sem mastigar? Tua fome não se acaba? Minha amada! Meu ar poluído. Sujeira repelida pela minha tosse.
Meu peito te suporta, é um suporte ao teu peso. Enorme. Frágil. Angustiado. Iludido pelo Nada. Infinito de Tudo. Seu cheiro amargo me anseia. Me enoja. Mas, seu gosto doce não mais sairá de minha boca. Não largará mais minha mente. Doente.
Entes¹ que me ignoram, que não mais me olham. Nos olhos. Seu tamanho aumenta dentro de mim. Estou enorme. Sou mais você do que eu. Do que Eus.  Ser! Existir! Existo porque sou possuída por você. Engolida pelas suas atrocidades. Vomitada por suas questões paradoxais. O que fazes de mim? Ó, princesa da escuridão!  Se escondes de minhas respostas. Me questionas e foge. Me deixando pobre de verdades. De sentidos. Caminhos bloqueados pelo seu ardor negro. Conturbado. Gigantescamente ansioso. Inquieto.  Devolva-me meus Eus trancafiados em tua sala escura. Dura. Fria.

Durma em meu ombro. E, relaxe, um pouco! Venha cá,  dureza de besta! Sua formosura equivocada! Meus pés doem de tanto caminhar a sua procura. Venha se deitar comigo. Deixe-me aproveitar de você, negritude assanhada! Dor melancólica.


¹Dentro da filosofia existencialista em Sartre, seria todos os objetos que nos cercam. Aquilo que oculta o Ser.


13:53

Horário de trabalho. 13:53.

             Tédio profundo. Sem fundo. Paredes com fungo azulado.
             Confundo minhas certezas. Nesse mar sem sal. Sem açúcar. Sem nada. Minha impossibilidade de uma simpatia amigável se torna desprovida de qualquer habilidade automática e educada. Sou má educada. Estou encucada com não-questões. Com os absurdos. Com a própria loucura de se pensar que não exista verdades. Que exista verdades. O suicídio me parece a melhor saída, no entanto o Enigma por trás da morte me parece amedrontador. Receios. Estou com a voz fechada. Estou desgastada. Má alimentada pelo mundo.Má alimentada pelo Nada. Pelos porcos. Pelas vacas. Pelos animais selvagens. Moro em um curral. Talvez eu seja a palha. Que seca. Que fica lá parada. Esperando ser pisada. Arrastada pelo vento. Amargo. Que me rodeia. Pelo vento que sem medo me tormenta. Minhas noites não são mais escuras, meus dias já não são mais claros. Perdi a capacidade de ler. De contextualizar. Perdi minha sabedoria. Perdi meus neurônios intelectuais. Perdi minhas obras. Meus autores. Perdi minhas certezas. Meu sorriso. Até mesmo minhas vírgulas nos textos andei perdendo. Estou branca. Anêmica. Perdi, até mesmo, minha cor. Perdi minhas bochechas rosadas e meus lábios avermelhados. Sinto-me enganada. Fodida. Suja e, completamente, nua.
                Não consigo ser simpática com alguma cliente neste meu horário de trabalho. Não consigo fingir ser amável e prestativa. Sou inútil. Não me suporto! Não aguento me enxergar aqui sentada. Perdida. Fracassada. Nascida. Escrava de leis. Regras ininteligíveis. Não tenho papel na sociedade. Não nasci para procriar. Não nasci para estudar. Trabalhar. Ter uma família. Não nasci. Não pedi para nascer. Escolhi ser abortada. Já tentei a mais alta ignorância. Mas, não me desligo das vozes. Desse sentimento de tédio. De porra nenhuma. Caminho arrastada. Obrigada a competir. A implorar. A fazer coisas insuportáveis. Falando essas coisas sinto-me como uma adolescente quando descobre que a vida não era tão bela. Quando descobre que a vida é uma merda. E, a beleza que se vê na vida é algo que o próprio ser humano cria para poder dar algum sentido. Alguma explicação para se viver. Para se intelectualizar de bostas. Se intelectualizar de caralhos e bucetas. Faço parte da manada. Intelectualizada. Pela vida. Limitada.

                                                           (respiro profundamente...)
                                        ...

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