Meu rosto já não é
mais um rosto. É um Nada. A estrada que caminho agora se dobra como uma língua
gigante. Os carros sorriem. A árvores se mesclam e seus galhos formam braços
assustadores. Na poça de água, a sujeira se transforma em pequenas cobras. Os
cães, os sapos e todos os animais são tão geniais que acabo me vendo como um
deles. Me transformo em cão. Me transformo em sapo. Já não tenho mais nome. Já
não tenho mais tempo. Tempo não existe. Horas, minutos e segundos me parecem uma
invenção muito engraçada e sem sentido. Tudo faz parte de um Todo. Sinto-me
dentro de um mar e o mar como o céu. Estou de cabeça para baixo. Estou de
cabeça para cima. Minha pele coça. Há muitos insetos imaginários. Meu cabelo
flutua no ar como se tivesse vida própria. Minha fala sai arrastada. Minha boca
está torta. Meu pensamento está louco. Está sensato. Agora, sinto a natureza. Sinto o ar que respiro.
Sinto esse sapo que está em minha mão. Converso com ele mentalmente. Ah,
quantos ensinamentos! Quantas percepções! Caminho com curiosidade, como uma
criança quando se depara pela primeira vez com o mundo! Ponto de exclamação, ponto
de exclamação! O mundo está diferente. São outras realidades. Outras
subjetividades. Meus olhos despertos analisam tudo, tudo! E, nada, nada! Tudo é
tão irrisório. Tão belo. Tão mesclado. Tão enigmático. Tão profundo. Tão
confuso.
Me sinto num mar
de percepções. Num mar. Como um peixe dentro d’água. Respirando água. Minha
pele já não é tão formidável. Meu rosto não é mais rosado. Estou verde. Estou
amarelo. Estou cor de areia. Sou areia. Sou pó. Sou carne. Sou sapo. Sou
árvore. Sou cão. Sou folha. Sou Tudo. Sou Nada. Doce. Amargo. Salgado. Azedo.
Uma espécie de
extraterrestre. Uma espécie de criança. Uma espécie de pequenez do Nada. Sou a
antena do mundo. Capto o que quero. Subjetividade. Percebo o que quero
perceber. E, percebo, também, o que não quero perceber. Transformo o mundo. As
coisas são modeláveis como uma. Massinha.
Mas, meus desejos e
meus medos ainda estão incontroláveis. Difícil controlar a libido que neste
momento me vem de forma assustadora. Difícil controlar alguns desejos e medos. Desejos. Medos. Difícil segurar uma comida apetitosa quando se está com fome. Vejo ondas
me engolir. Vejo mãos me hipnotizar. O prazer me dominar. E, o medo me enlouquecer.
Mas, são ilusões. São invenções minhas. Desejos incontroláveis que. Na verdade.
São suportavelmente controláveis.
Meus Eu’s conversam
entre si. Não só conversam entre si. Mas, berram entre si. Já tive uma experiência
semelhante. Mas, não dessa forma. Exclamações! Sentimentos e raciocínios a flor
da pele. Ah! Meus olhos começam a doer. Ah! Minha cabeça começa a latejar. Meu
corpo já não aguenta tanta subjetividade. Tanta agitação mental. Meu corpo já
não está mais se esvaindo. Agora está ressurgindo da perdição. Do negrume. Do
fundo. Da. Escuridão. Não totalmente. Não parcialmente. Nem de forma mínima. Ou
máxima. Nem tão pouco. Nem tão muito. Mas, ressurge de volta ao sonho. A ilusão.
De toda individualidade. Competição. Ilusão do Ser. Dos conceitos. Das coisas.
Da vida. Do sofrimento.
E, pior, muito,
muito pior. A ilusão do medo. Da morte. Da jaula. Do controle. Da mutilação e
da tortura. Mental. Física. Medo da Verdade. Do falso Saber. Da falsa
Filosofia. Da falsa Reflexão. Medo do sem sentido. Medo do sem rumo.